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- Bruna Silveira
- Professora, Jornalista, Relações Públicas e Mestre em Comunicação Social. Apaixonada pela comunicação e pelo imaginário humano e cultural.
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Sunday, September 08, 2013
O Príncipe da Névoa
Há
bastante tempo sem postar aqui no blog, retomo minhas escrituras com um autor
que caiu no meu gosto há dois anos: Carlos Ruiz Zafón. Desde que li A Sombra do
Vento, percebi na contemporaneidade, um autor que remete a grandes discursos
literários, coisas do século XIX.
Em
A Sombra do Vento, fiquei apaixonada e, tudo que estivesse disponível de Zafón,
queria ler. O mesmo deu-se quando me deparei com o Príncipe da Névoa, em uma
livraria. Já fazia alguns meses que tinha adquirido a obra e agora me pus a
ler.
Nessa
obra, fiquei cara a cara com a história da família Carver, que no verão de 1943
deixa a cidade da guerra – nessa data, a Alemanha vivia o terror da Segunda
Guerra Mundial, que ceifava vidas e arruinava negócios, ou seja, eliminava
todas as possibilidades de existência humana – indo com sua família viver na
costa leste do Atlântico. Assim, Maximiliano Carver resolve estabelecer sua
relojoaria em um local que era carente de tal negócio. Andréia, sua esposa e
seus filhos, Irina, Alícia e Max não tiveram escolha, se não fazer as malas.
Navegando
pelo oceano azul, a família aponta no local de sua nova morada e, já de entrada
os mistérios da localidade se fazem presentes. E, como não poderia deixar de
ser em um romance de Zafón, o suspense toma conta da narrativa.
Max,
ao explorar a cidade de bicicleta, conhece Roland, com que firma amizade. Em suas
idas a praia com o amigo, Max passa a levar de companhia a irmã Alicia. Enquanto
os rapazes mergulhavam para explorar o Orpheus,
barco naufragado naquela costa, Alicia alimenta seus sonhos juvenis com o amigo
do irmão. Sonhos que não demoram a virar realidade, levando Alicia passa a
explorar as profundezas do mar ao lado do amado e o frenesi adolescente.
Nesse
ínterim, Maximiliam descobre, na garagem da casa, vídeos feitos pela família Fleischmann.
A residência fora construída por Richard, famoso cirurgião de Londres, em 1928.
Ainda como na ocasião de sua construção, a moradia continuava sendo excêntrica
aos olhos dos moradores locais. Na casa da praia, viveu Richard e Eva, sua
esposa. A casa havia sido vendida após a morte do filho do casal, Jacob e, na
sequência do próprio médico. De Eva, ninguém sabia. E, é essa história e essa
casa, que envolvem todo o mistério da trama de Zafón.
Passado
algum tempo de amizade entre os jovens, e após Max ter descoberto no jardim de
sua residência o cemitério de estátuas mutantes, é inevitável o encontro dos
adolescentes com o avô de Roland, Victor Kray. Situações sinistras estavam
acontecendo com Max e sua família desde não só a descoberta das estátuas em seu
jardim, como das investigações no Orpheus.
Uma coisa estava relacionada à outra, assim como a história de Kray, também
faroleiro da região, Roland e a família Fleischmann.
Com
um mal súbito sofrido por Irina, a filha mais nova da família Carver e a
estadia forçada dos pais com a garota no hospital, a liberdade se fez à Alicia,
Max e Roland. Para tentar desvendar os mistérios que envolviam os três,
ligando-os com o Príncipe da Névoa, que habitava o Orpheus e tantos outros lugares da cidade, foi preciso esforço e
saúde de todos, juntamente com o faroleiro.
No
desenrolar da escritura, vem a tona a identidade de Roland, que era Jacob, o
filho supostamente morto dos proprietários da casa da praia onde hoje vivia a
família Carver. Seu não parentesco de sangue com Kray, mas somente de coração,
já que esse tinha vivido na adolescência um triângulo amoroso com Eva e Richard.
Esse último fez, então, um pacto com Cain, Príncipe da Névoa, para tirar de circulação
Kray e casar-se com Eva. Em troca do favor, à Cain seria dada a vida do
primeiro filho do casal. E, foi para driblar esse escambo, que a vida dos três
une-se novamente e envolve, anos depois, Max, Alicia e Roland.
Mais
um romance de mistério de Zafón, destinado ao publico juvenil, mas com ideias
de atingir todas as faixas etárias para consumo discursivo. Deixa a desejar,
novamente, por ser deveras fantasioso e, por ser o Príncipe da Névoa, composto
fisicamente por água. Dentre outros imaginários pueris. Talvez por isso, o autor
tenha deixado para publicar a contento essa obra, após sua afirmação com A
Sombra do Vento. Vale a leitura pelo envolvente enredo, e para quem gosta de
ficção ao extremo, somado a boas doses de mistério. A obra não traz uma linguagem
tão rebuscada como A Sombra do Vento, e o Anjo de Vidro, mas confesso que
fiquei surpresa ao deparar-me com a palavra “bocarra”, a muito extinta do
vocabulário literário. Acho que Zafón poderia ter dado mais por essas linhas. Igual,
ainda pude me deparar com belos parágrafos, bem redigidos se comparados a
ilusória história.
Confira
alguns deles:
“Enquanto
os outros dormiam, esperou a chegada inevitável daquele amanhecer que marcava a
despedida final do pequeno universo que tinha criado para si mesmo ao longo dos
anos. Passou aquelas horas em silêncio, estendido na cama com o olhar perdido
nas sombras azuis que dançavam no teto de seu quarto, como se esperasse que se
transformassem num oráculo capaz de desenhar seu destino daquele dia em diante.”
“Soube
que não importava qual era o destino daquela viagem, nem em que estação o trem
iria parar; daquele dia em diante, nunca mais viveria num lugar onde não pudesse
ver, toda manhã ao acordar, aquela luz ofuscante que subia até o céu como um
vapor mágico e transparente. Era uma promessa que fazia a si mesmo.”
“O
relógio não estava desregulado; funcionava perfeitamente, mas com uma
peculiaridade: andava para trás.”
“Vestiu-se
em silêncio, desceu a escada com cuidado, para não acordar o resto da família,
e foi para a cozinha. As sobras do jantar da noite anterior permaneciam na mesa
de madeira. Abriu a porta e saiu para o pátio. O ar frio e úmido do amanhecer
mordia a pele.”
“Uma
densa névoa azulada se arrastava do mar até a cabana como um espectro
ofuscante, e Alicia ouviu dezenas de vozes que pareciam sussurrar dentro da
neblina. Fechou a porta com força e se apoiou contra ela, decidida a não se
deixar levar pelo pânico. Sobressaltado pelo ruído da porta batendo, Roland
abriu os olhos e levantou com dificuldade, sem entender muito bem como tinha
chegado lá.”
“O
tempo, meu caro Max, não existe: é uma ilusão. Até o seu amigo Copérnico teria
descoberto isso se tivesse tido tempo, justamente. Irônico, não é mesmo?”
“Roland
lutou contra a dilacerante agonia que atormentava sua perna e procurou o rosto
de Alicia na penumbra. A garota estava de olhos abertos e se debatia à beira da
asfixia. Não poderia conter a respiração nem mais um segundo e as últimas
borbulhas de ar escaparam de seus lábios como pérolas portadoras dos instantes
finais de uma vida que se extinguia.”
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