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Professora, Jornalista, Relações Públicas e Mestre em Comunicação Social. Apaixonada pela comunicação e pelo imaginário humano e cultural.

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Wednesday, November 20, 2013

Van Gogh







A Casa dos Espíritos

Desde que li Paula, nutri uma paixão avassaladora por Isabel Allende. Descobri na biblioteca de minha mãe, várias obras da autora. Outras tantas eu fui adquirindo nas livrarias e sebos. Dos achados nas prateleiras de mamãe, deparei-me com um exemplar de 1982, de A Casa dos Espíritos. Lembrei que quando ainda nova, lá pelos 15 anos, tentei ler essas linhas. Não deu certo. As letras miúdas cansaram meus olhos adolescentes. Fiquei no filme, lançado em 1993 e que faz parte de meu acervo visual.

Após longos 19 anos, senti uma atração pela escritura. Puxei da prateleira, pois agora o livro é de minha posse, e deliciei-me. Como uma criança que redescobre o sabor de uma bala de goma vermelha, lambuzei-me com as 364 páginas de Allende. A Casa dos Espíritos foi o primeiro alfarrábio da autora e apresenta forte presença de gêneros discursivos, dando um tom jornalístico ao final, quando resgata o governo socialista de Salvador Allende e os primeiros anos da ditadura de Pinochet, no Chile. Nesse texto, e em todos os outros, Isabel Allende traz a recusa de postar-se como uma poetisa hermética de versos bonitos, compreendidos apenas pelos amigos próximos.

Durante a leitura, impossível não remeter meu imaginário a algumas cenas do filme. Afinal, foi ele quem me fez companhia em várias noites juvenis. Pela estética, pela história e pela minha aproximação, não apenas por narrativas amorosas, mas por identificação pessoal com aqueles que acreditam em um mundo paralelo ao nosso, povoado por espíritos amigos. Sentindo tantas afinidades, achei as linhas que povoaram minha mente, esteticamente mais belas que as cenas da película.

A narrativa composta por três vozes, a de Clara, protagonista da história, Esteban Trueba, seu consorte e Alba, neta do casal, filha de Blanca com Pedro Terceiro, trazem uma fábula que me soa como uma biografia. Clara, a irmã mais nova de Rosa, vivia a sombra da beleza da consanguínea, marcada por uma beleza mística, de longos cabelos verdes. Essa última era noiva de Trueba e vivia a bordar seres imaginários. Clara apenas era a menina de fios loiros, dona do canino Barrabás. E é a chegada do animal que inicia e encerra o livro. O progenitor de Clara, interessado em fazer parte da política chilena, principia seus movimentos políticos e é presenteado por uma bebida envenenada, que é tomada por Rosa. A morte, prevista por Clara, fez a menina ficar sem falar e marcou o primeiro, de tantos momentos negros e de silêncio que passaria em sua vida.

Trueba, por sua vez, sentiu-se viúvo antes mesmo de casar com sua amada Rosa. Largou a vida na mina, tratou de levantar a fazenda Las Tres Marías, que estava abandonada e era de propriedade de sua família, e garantir financeiramente o sustento de sua mãe doente e de sua irmã dedicada, Férula. A vida no campo lhe gerou solidão, o que fez com que dormisse com todas as mulheres da propriedade, familiares dos colonos que para ele trabalhavam. O resultado foi à geração de inúmeros filhos bastardos pela propriedade. Apenas um deles levou seu nome: Esteban García. Cansado de tanto isolamento e de noites avulsas, ele decide voltar à cidade e encontrar uma mulher para desposar. E nem a diferença de idade impediu a união de Trueba e Clara.

Diferentemente do filme, na história original posta por Allende, Trueba amava Clara com todas as suas forças. E Rosa era um passado, mesmo mal enterrado, no coração do homem. A união do casal fez brotar uma amizade forte entre Clara e Férula, após a perda da mãe, e resultou no nascimento de Blanca, a primeira filha do casal. Dessa união, ainda nasceram os gêmeos. E, assim como no filme, Clara conversava com espíritos, tinha premonições e fazia anos a fio de silêncio quando algo a machucava profundamente. Tinha sido assim na morte da irmã Rosa e, durante sua vida de casada, quando Trueba descobriu o envolvimento da filha Blanca com Pedro Terceiro, filho de Pedro Segundo, o braço direito do patrão de Las Tres Marías.

Na escritura, Trueba força a filha a casar com trambiqueiro um francês, para esconder a gravidez, resultado do amor com Pedro Terceiro. Mas, quis o destino que Clara voltasse da França para deixar vir ao mundo Alba. Pela filha, a vida de Clara ficou dedicada aos cuidados do lar e de seu coração sem amor, longe de Pedro Terceiro.

Tudo parecia organizado, quando a casa da esquina – feita especialmente para Clara – recebia a visita das irmãs Mora para que os espíritos fossem evocados. Um vai e vem de pessoas carentes fazia parte da rotina da família, uma vez que Clara possuía instinto social e Trueba passou a meter-se com política. Até, Blanca reencontrar-se com Pedro Treceiro. E, nessas idas e vindas políticas, retratadas na obra, que circulavam entre o socialismo e a ditadura, Trueba se viu viúvo e único a ter a chance de ajudar o grande amor de sua filha. O casal de enamorados, abençoados por Trueba, partiram para outras terras. Ao velho viúvo restou o final da criação de Alba. E, diferente do filme, ela foi quem teve envolvimentos políticos, também por amor à Miguel, sendo levada por homens da ditadura de Pinochet, ficando nas mãos de García, seu tio bastardo. A tortura foi ao ápice, com choques elétricos, surras e abusos sexuais. Como o progenitor da família havia perdido seu poder, contou com a sorte e a ajuda de sua ex-amante, para livrar a neta das garras ditatoriais.


A lição de Trueba, não vista no filme, mas escriturada por Allende, se concretiza, após entrar em ação a maldição da irmã Férula, expulsa por ele de sua casa, por seu relacionamento estreito com Clara. E foi velho e encolhido, que Trueba morreu nos braços da neta. Seus dias de demônio haviam ficado para trás, com a perda da esposa, quando precisou rever seus valores para ajudar sua filha e sua neta, que viviam amores e dores. E, como começa a história desse livro, com a chegada de Barrabás, encerra-se, quando Alba lê nos livros de anotar a vida, feitos por Clara, sobre a chegada do cachorro fisicamente mal composto, na casa de sua família.