A
obra de Caco Barcellos, Rota 66: A História da Polícia que Mata, chegou às
minhas mãos no segundo semestre de 2008 e foi lida vorazmente. Uma porque gosto
muito do jornalista autor, outra por ser um livro reportagem, signo da vida
acadêmica o qual sou fã, e pela grande reportagem em profundidade, capaz de ser
reproduzida somente nesse gênero de publicação.
Assim,
o Rota de Barcellos entrou na minha vida, entranhou-se em meu imaginário e
tornou-se meu objeto de estudo para o trabalho de conclusão do curso de
jornalismo. Lancei a esse discurso um olhar semiológico, identificando as
posições discursivas por meio dos socioletos*, que englobam discursos acráticos
e encráticos, dentro do gênero de jornalismo literário**, possível nessa
tipologia publicada, assim como as forças de poder presentes no fato e expostas
na narrativa, e ainda a impregnância de fait divers*** nas páginas do livro.
Resumidamente,
o livro reportagem de Caco Barcellos, publicado em 1992, faz um relato das
atrocidades realizadas pela polícia paulista. No período compreendido entre
1970 e 1990, as equipes do 1º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo eram
consideradas as unidades de elite da corporação. Chamadas de Rondas Ostensivas
Tobias de Aguiar, ficaram popularmente conhecidas como Rota.
O
livro traz um estudo que aponta a participação de mais de cem policiais da Rota
66 na perseguição a três garotos de classe média alta da sociedade paulista. Os
três corpos foram encontrados com perfurações de mais de 23 balas de revólver.
Esse foi um fato que eclodiu na imprensa, na época das mortes.
Aprofundando
as pesquisas, com base no jornalismo investigativo e documental, Barcellos
apresenta um submundo cruel. O estudo transformou a sociedade após o período da
Ditadura Militar, trazendo à tona a injustiça e a discriminação social e racial
existente nas periferias. A morte dos jovens da burguesia foi o estopim para
trazer a conhecimento de todos os fatos ocorridos na práxis. As rondas da Rota,
na caminhonete Veraneio, atingiam principalmente jovens das favelas. Barcellos,
com sua pesquisa, aponta esta realidade.
Foram
sete anos de pesquisa, alguns deles em arquivos do Instituto Médico Legal - IML.
As investigações não apenas revelaram o número real de mortes, como também o
fato de que tanto os médicos do IML quanto os policiais “apagavam” as pistas
dos corpos, uma vez que os assassinados eram levados pelos policiais no carro
da Rota ao hospital e posteriormente ao IML. Dessa forma eram induzidas as
suspeitas de que as mortes haviam acontecido em decorrência de confrontos
iniciados pelas vítimas.
O
livro-reportagem traz dados estatísticos absurdos, não divulgados pela imprensa
naquele período. Apresenta relatos da vida dos familiares e das vítimas.
Retrata a procura incessante por informações que tirem as premiações da polícia
e a coloque atrás das grades. A obra é um verdadeiro documento contendo a
história de um período obscuro, um período em que as pessoas louvavam os chefes
de polícia e governantes, enquanto a propaganda levava a sociedade acreditar
que policiais eram heróis e a população de homens pobres e negros massacrada
era culpada.
Após
a publicação do Rota 66, Caco Barcellos, juntamente com sua família, passou
alguns anos fora do Brasil, devido as chantagens e as promessas de morte ao
jornalista e seus parentes serem constantes.
Vinte
anos após a publicação do livro, o Rota continua agindo da mesma forma. As denúncias
atuais e as da época que rememora a obra, de nada serviram para que o poder
policial revisasse seus conceitos e compreendesse sua posição na sociedade. Ontem,
ao assistir o Fantástico, acompanhei mais uma reportagem sobre a atuação do
Rota. O mesmo posicionamento do chefe de comando ao falar sobre sua equipe, as
mesmas desculpa para os assassinatos praticados, sendo um deles, no acostamento
de uma avenida. A testemunha, uma mulher que contou o que viu, precisou se
mudar com a família, pois, ao presenciar o fato de sua janela, tornou-se carta
marcada. A mesma história se repete, se reproduz incessantemente. Não é de hoje, é desde a década de 1970.
Talvez
a caça dos homens do Rota não seja mais na veraneio cinza, mas as práticas
seguem as mesmas. Os discursos ilusoriamente mudaram, mas a explicação para as
mortes são parecidíssimas. Não defendo bandidos, ladrões que assaltam
estabelecimentos, causam pânico social e destroem o ganha pão de gente
trabalhadora. Mas sim, defendo a vida, defendo uma sociedade justa e, não creio
que o extermínio humano resolva o problema social, de conduta, de comportamento
e de valores. Talvez seja necessária uma releitura desses discursos e
meta-discursos encráticos.
* abrangem a origem e
conflitos dos grupos e das linguagens e, ao mesmo tempo, a contradição social e
de quebra que este objeto agregado pode gerar. O campo socioletal divide-se em:
discurso do poder, ou encrático; discurso fora do poder, ou acrático.
**
Gênero jornalístico que apresenta fatos reais, mesclados com analises de
ambiente e sentimentos, ou seja, utiliza-se de artifícios literários para
construir o discurso. Essa prática requer estudos e dedicação maior do
profissional, para a composição do trabalho informativo.
***
informação sensacionalista.
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