Os bastidores da Ditadura Militar
que durante os anos de 1970 e 1980, agiram para destruir a esquerda brasileira.
Essa é, em suma, a narrativa da obra Memórias de uma Guerra Suja, um depoimento
de Cláudio Guerra aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.
O livro e seu narrador
A Ditadura foi um período
sangrento, violento e desolador na vida do Brasil. Deixou marcas profundas,
além daquelas de pele, gravadas sob a tortura. Ela ceifou vidas pelo desejo do
poder. Domínio por terra, por controle civil, como iniciam todas as brigas.
Claudio Guerra foi um executor
desse período. Não, ele não torturava, ele matava, sem dó nem piedade. Eliminava
sem saber, inclusive, a quem. Foi o organizador e executor de bombas, como a do
Riocentro. Delegado do DOPS durante o período, comandado pelos generais linha
dura, ele confessa a tentativa de assassinato de Leonel Brizola. Mas, enquanto
esse foi apenas um ensaio, as demais foram um show a parte. Guerra perdeu as
contas.
Com receio, mas com escopo, ele
deu este depoimento sabendo que entregaria muitos colegas que ainda vivem. E esse
discurso se fez após Guerra cumprir sete anos de prisão pelo atentado ao
bicheiro Jonathas Bulamarques de Souza. Hoje, o assassino diz que encontrou a
paz ao tornar-se evangélico e estar seguindo o caminho de Jesus Cristo. Abro aqui
um parêntese e pergunto-me: do que adianta seguir Jesus após ter feito um
trabalho de “Deus”, decidindo quem tinha, ou não, direito a vida? Esse julgamento
não me cabe. Sou tão humana quanto ele e, a justiça que decide sobre o ser
humano não é minha, não é a dos homens, embora em algumas ocasiões, mas a
divina.
Como executor, ele afirma que
apenas cumpria ordens. Mas, se matar não fizesse parte do seu DNA, se ele não
fosse realmente um assassino e tivesse esse anseio gravado em sua alma, jamais
teria cometido tantos homicídios.
Um livro-reportagem pesado em
todos os sentidos que essa palavra possa ter. De histórias escabrosas,
inacreditáveis. De denúncias, de esclarecimentos e, vindo de um executor do período
ditatorial, ousaria dizer cínico.
A leitura vale para que possamos
ver que esse período primitivo e animalesco vivido pela sociedade brasileira,
tem seus reflexos até hoje. Não apenas no sentido cultural, pois mesmo sob
censura, a arte desenvolvida foi uma das melhores até hoje. Mas para
compreendermos até onde o ser humano é capaz de chegar pelo poder, pela ganância,
baseado em discursos mentirosos, facínoras e sem resultados.
O que a Ditadura nos deixa, além
da triste lembrança, e da arte de qualidade – claro – é que o homem é capaz de
tudo por seus interesses e que, aquilo que há mais de 30 anos ocorreu, está na
nossa cara, na contemporaneidade, de forma velada. A Ditadura está aqui: dento e
fora de nós. A herança desses anos de chumbo foi o medo, a sensação de monopólio
por quem pensa que tem domínio público, a corrupção, a não reforma agrária, a
não qualidade da educação, a não aceitação das diferenças.
É hora de rever, realmente, esse
futuro, com um olhar crítico, e fazer os parâmetros com os dias atuais. Mas antes
de tudo, é descobrir o que queremos: liberdade com respeito ou censura por de
debaixo dos panos? E nós, agimos como em sociedade?
Depois de executar humanos, Claudio Guerra prega a palavra do senhor...