O Chile enfrentava as nuvens negras da ditadura, quando
Irene e Francisco encontraram-se. Ela, jornalista, moradora da casa para idosos
“Vontade de Deus” – residência adaptada por sua mãe, Beatriz, para poder viver
quando o pai de Irene as abandonou – tinha impresso em seu espírito a urgência
de viver em liberdade. Ele, formado em psicologia, não conseguiu firmar-se na
profissão de curador de mentes e, investiu sua vida profissional na atividade
de fotógrafo. Vindo de uma família exilada pela ditadura de seu país, Francisco
conhecia através de suas vivências infantis e, pelos depoimentos de seu pai,
professor Leal, as cicatrizes deixadas por governos ditatoriais.
Trabalhando ambos na mesma empresa jornalística, era rotineira
a saída de ambos, juntos, para o desenvolvimento de alguma pauta. E foi, quando
buscavam falar sobre a menina dos milagres, Evangelina Ranquileo que encontraram
as maiores histórias de dor e salvaram-se pelo amor.
Ao se envolverem com a milagreira, atividade que não era bem
vista pelo governo militar latino americana, envolveram-se com o sumiço de
Evangelina, a dor de sua família e a luta desenfreada pela busca do paradeiro
da menina. Nesse ínterim, mais histórias paralelas compõem o romance “De Amor e
de Sombra”, de Isabel Allende, traçando a tragédia que atingiu vidas durante o
período ditatorial chileno, unindo humanos pela liberdade de ir e vir.
Escrito na década de 1980, “De Amor e de Sombra” nos faz
refletir sobre nossos pares, visto que Irene, com sua irreverência, sentido de
liberdade e comportamento feminista e justo, relacionava-se desde a infância
com um rapaz que tornou-se militar. O noivo da morte, como era chamado por
Francisco deixava sua amada por longos períodos para cumprir sua atividade
profissional. Já Francisco, e seu senso libertário por imagens, pela justiça e
pelos direitos humanos, estava ao lado de Irene quando foi descoberta não só a
ossada de Evangelina Ranquileo, mas a de muitos outros ceifados da vida pelas
mãos dos governantes. Por ironias do destino, no dia que Francisco e Irene
encontraram os cadáveres na Gruta dos Riscos, a vida se apresentou para eles
através do amor que ambos nutriam em segredo um pelo outro. E foi no limiar do
encerramento de vida, que fez-se a construção de uma outra.
A repercussão da descoberta por Irene e Francisco,
ultrapassou as fronteiras do Chile, ganhou o mundo e a mulher que encantava os
idosos da casa onde vivia, se viu entre a vida e a morte. E, a reconstrução
individual do casal, como a edificação dessa união, apresentou-se de maneira
forçada, através do exílio.
Nessa escritura de Allende, mais uma vez, vemos que uma
ditadura arranca do seio social pessoas que lutam por justiça e limita o ir e
vir de cidadãos. Racha famílias, coloca pais e filhos, geograficamente, em
lados oposto do globo terrestre. Mas, mesmo com toda sombra capaz de fazer,
fica comprovado nessa história real, que jamais situações como essa, podem
manchar um verdadeiro amor.
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