De gargalhadas foram às madrugadas que passei lendo meu colega e, arrisco em dizer amigo, Sérgio Reis. Em maio ele presenteou minha mãe com seu livro autografado, Making Off. Demorei em pegar o livro e ler. Mas não por falta de vontade, apenas falta de tempo.
De narrativa leve, o livro Making Off, do jornalista Sérgio Reis, foi lançado em 1995 e traz as histórias dos primeiros anos do rádio e da televisão no Rio Grande do Sul de forma bem humorada. Além de boas gargalhadas é um mergulho no passado desses dois veículos de comunicação que fizeram marco na sociedade, e ainda o são. Traz as histórias dos primeiros “ao vivo” nesses veículos, mesclando com a história das pessoas que fizeram acontecer.
O livro não deveria ser lido apenas por profissionais da área, mas recomendado nas cadeiras universitárias, nos cursos de jornalismo, pois muito do passado está ali. Muito das pessoas que fizeram esse passado está ali. Lendo essas páginas, vamos além da diversão, vemos o valor de cada ser humano na construção da comunicação. Vale muito a pena conferir!
Abaixo, reproduzo uma das histórias que quase morri de tanto rir quando li. Prometo que posto outras no decorrer do tempo. Por enquanto, confiram essa!
“O quebra-quebra de 24 de agosto de 1954, pelo suicídio de Getúlio Vargas, destruiu muitas coisas em Porto Alegre. Entre elas, num incêndio, o prédio que abrigava as Rádios Farroupilha e Difusora, na Rua Duque de Caxias, pois Assis Chateaubriand era tido como inimigo do presidente. O auditório da Farroupilha, na Rua Siqueira Campos, em frente à Trav. Leonardo Truda, foi depredado, mas o prédio ficou em pé. A solução, então, foi transferir as rádios para o prédio do auditório, um casarão de dois andares. Como as instalações eram pequenas para abrigar as duas emissoras, foi alugado o segundo andar de um prédio na Rua Sete de Setembro, que fazia fundos com o auditório. Derrubadas as paredes, unidas as duas casas, havia espaço suficiente.
Como as salas internas não coincidiam com as necessidades, derrubaram-se todas as paredes e fizeram-se divisórias com 2 metros de altura. Era horrível de se trabalhar, pois havia eco, se ouvia tudo o que se falava, com mil ruídos se misturando. A direção dizia que seria provisório, mas durou mais de 20 anos!
Pois nesse prédio, de corredores compridos com baias de cada lado, uma tarde morreu um funcionário da discoteca. Enfarte fulminante. O corpo ficou muito tempo na sala, até ser retirado. E, chegou Vieira, o porteiro da noite. Quase 60 anos, magro, careca, nariz adunco e um ar elétrico.
Celestino Valenzuela, apesar de ser o locutor que abria a rádio, às 06h estava lá esperando por ele. E contou, com luxúrias, de detalhes, a morte do colega. Vieira ouvia tudo, olhos arregalados, uma parte dele querendo encerrar aquela conversa e a outra querendo saber mais e mais. E Celestino concluiu:
- E o pior é que, quando alguém morre assim, de repente, não se convence. Pensa que ainda está vivo e fica no lugar, tentando se comunicar com as pessoas. Vão levar uns dois ou três dias até que ele saia daqui. Até a 1h, enquanto o rádio estiver no ar, com gente aqui dentro, ele deverá ficar calmo. Poderá haver problema quando todos forem embora.
- Que, que tipo de problema?, perguntou Vieira gaguejando.
- Sei lá. Cada morto reage de um jeito. Bom, boa noite. Te encontro amanhã às cinco e meia.
E se foi, segurando o riso.
Quando voltou, 5h30min de uma madrugada de chuva fininha, a uma quadra da rádio Celestino já via e ouvia Vieira, no meio da rua vazia, facão na mão, gritando para dentro do prédio:
- Sai, filho da puta. Tu já morreu, desgraçado. Teu enterro é hoje, infeliz! Vai pro teu velório. Se tu não te convenceres, eu te mato de novo, seu merda.
- O que é isso Vieira? O que está acontecendo?
- O defunto tá lá. Não saiu, bem como tu disse. Fez barulho a noite toda.
- Deixa comigo. Sei uma oração que vai fazer com que ele deixe este nosso mundo. Fica aqui e só sobe quando eu disser que está tudo OK.
E subiu as escadas, correndo para soltar pela janela do auditório a galinha viva que comprara no Mercado Público ao entardecer e que deixara em uma sala com as patas e bico amarrados. A pobre ave passou a noite se debatendo com as asas. Vieira nunca soube da molecagem e sempre julgou Celestino um forte rezador, bom para mandar defunto direto para o reino dos mortos.”
Pag. 36 a 38.
Essas e muitas outras histórias. Sobre pessoas para pessoas. Afinal, a comunicação nada seria sem esses ingredientes.
Jornalista Sérgio Reis |
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