Após uma conversa que tive com amigos esta tarde e, de lembrar a frase: "Um país se faz com homens e livros", de Monteiro Lobato, resolvi escrever este post. Ainda que, na manhã de hoje, durante um seminário do mestrado, discutimos um vídeo americano, no qual uma criança com menos de 5 anos sabia mexer em um tablet, para ver as histórias em quadrinhos, mas não manipular uma revista de papel, no que ela acreditava estar com defeito no dedo e, portanto, não possuía referência sobre impressos.
Parei para pensar o que anda acontecendo. Não, não creio ser ruim a evolução tecnológica, o acesso, o compartilhamento de informações, de meios de comunicação de massa, de livros e conteúdos. Mas, sim, acho estranho matarem os livros, os jornais, as revistas e folhetins impressos. Sei que há derrubada de árvores para a confecção desses produtos da Indústria Cultural, como afirma Edgar Morin, mas sei que são referências culturais. A reciclagem de papel, que há mais de 15 anos é falada, está ai para isso. Sem contar que há o cheiro do livro, coisa que, definitivamente a máquina ainda não pode reproduzir. Afora a história por trás de cada objeto ou, como diria Roland Barthes, cada signo.
Desde os primórdios, a comunicação escrita é uma forma de manifestação do ser humano. Foi evoluindo com as impressões e, no Brasil a circulação de informações impressas deu-se com a chegada da família Portuguesa e das impressões da “gráfica” Vitória Régia. Começou ai, mesmo que baseado em informações da corte, o circular de laudas informativas. Já no que tange o mercado das revistas, os primeiros exemplares vieram em formato de livro, porém adaptando-se ao poder aquisitivo da sociedade, viraram produtos como às mensárias ou semanais que vemos hoje. Ainda no começo dos anos de 1900, livros eram artigos da burguesia.
Mas, o mercado cultural movimentou-se, a sociedade, por meio do trabalho, passou a ter acesso a informações, não só nos jornais e revistas, como conseguiu ter acesso aos livros. Com a chegada de novas gráficas, principalmente no eixo Rio-São Paulo e, com a facilidade de transporte para outras regiões, ao menos no que tange o país tropical, os calhamaços de capa dura foram tomando seu lugar nas estantes das livrarias, na casa das pessoas e nas mãos dos leitores.
Não me imagino, mesmo, sentada em uma cadeira de balanço, em uma tarde fresca, no horário do pôr do sol, lendo com um tablet na mão e virando uma página eletrônica. Não sei como seria ler Fiódor Dostoiévski, Tomas Mann, Ernest Hemingway, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marquez, Mário Vargas Llosa, Machado de Assis, Manoel Bandeira, Jorge Amado, Monteiro Lobato, Dionélio Machado, Guimarães Rosa, Caio Fernando Abreu, Cecília Meireles, Clarice Lispector, dentre muitos outros autores clássicos e contemporâneos, dessa maneira. E, sei que cada obra que tenho, me traz histórias do passado, dos meus antepassados e, o mesmo, ocorrerá aos meus filhos.
Não quero que meus rebentos, que sei que serão dois meninos, vivam plugados em uma máquina, percam o prazer de sentir o peso de um livro, de saber diferenciar o cheiro de uma obra antiga e de um impresso novo. Quero que eles passeiem pelas livrarias, escolham os títulos lendo as orelhas do livro, sentindo seu peso, sua energia. Que sintam o gozo de sentar na cadeira mais confortável da casa, que abram o livro e saboreiem as palavras com a mente e o olfato, que só o livro é capaz de proporcionar. Quero que, como eu, tenham as lembranças do que cada obra minha representou como, até hoje, tenho guardado um livro que me foi presenteado pelo meu avô, ainda em vida. Como sempre fui leitora voraz, mesmo quando não sabia ler ainda eu fingia. Vivia pegando o livro dele para fazer de conta. Foi quando o seu Paulo me disse, que um dia eu teria a obra, como recordação dele. Anos antes de ele perder quase que totalmente a visão, fez uma dedicatória e entregou-me o livro. Eram crônicas de futebol e o livro já estava na casa dos 10 anos, mas igual eu queria, povoou minha infância. Na capa, um pé de jogador em cima de uma bola de futebol, dentro a melhor coisa que li em um livro até hoje. Meu avô dizia: “minha querida, desejo que em tua vida, não pises na bola. Sempre estarei contigo. Te amo, teu avô Paulo”.
Até hoje, o livro conserva as digitais e o cheiro do homem que mais amei em minha vida. Acho que não preciso dizer mais nada, apenas pergunto a quem deseja a “morte” dos livros: como teríamos memórias tão autênticas como esse tipo de dedicatória de próprio punho?