Eu não dava nada por
esse livro, mas me surpreendi e ele me deu muito.
Reza
a lenda, proferida pelos amantes da literatura e, consequentemente dos livros,
que não se deve julgar uma obra pela capa. Eu julguei, mas como a minha cabeça
andava pelas tabelas (parafraseando Chico Buarque), li a sinopse e comprei a
escritura achando que seria uma leitura divertida mas que exigisse menos de
mim. Ledo engano...
Ler,
Viver e Amar, obra de Jennifer Kaufman e Karen Mack, editada pela Casa da
Palavra, cumpriu seu papel: fez eu me identificar com a personagem, seu enredo,
com as passagens e muito mais! Minha surpresa teve início quando me deparei com
frases ótimas no começo de cada capítulo, sendo o primeiro uma citação de Jorge
Luis Borges. Passei para a narrativa e, incrivelmente, não queria desgrudar! Dora,
a balzaquiana e personagem central do volume, estava recuperando-se da
separação, mesmo após um ano. Era compulsiva por livrarias e, logicamente,
adquirir várias brochuras e, ainda, tomar porre de livros. Sim, porre
literário. Em minha opinião e, confirmado por Dora, os melhores.
Ardentemente
Dora desejava uma nova vida a partir de uma recolocação no mercado de trabalho,
ela era jornalista; um novo amor, mas isso não era prioridade; vencer os
traumas de infância e, criar seu próprio mundo. Além, é claro, de sua dedicação
nas sempre horas vagas, o que no caso de Dora eram praticamente todos os dias, à
porres literários. Submersa em sua banheira de espumas, acompanhada de um copo
de vinho, a personagem fazia pilhas e pilhas de livro no seu refúgio, o
banheiro, e ia sorvendo o líquido alcoolico e tinto, juntamente com as
escrituras selecionadas para a ocasião. Atire a primeira pedra quem nunca
buscou respostas nas páginas da ficção.
Identificações
do meu “EU” a parte, volto a história de Dora, que se apaixonou por Fred, que
trabalhava na livraria que ela ia diariamente e, era formado em Literatura. O romance
que tinha ares de similaridade entre almas e corpos, desenrolou-se como um
verdadeiro desastre, quando Dora assumiu porque quis, a oferta de amor à mãe e
a sobrinha do namorado. Foi quando, da morte da irmã de Fred, drogada, ela
deparou-se com o egoísmo masculino, aliás, muito visto nos dias de hoje.
Encontros
frutíferos com o ex-marido, o surgimento de um freelancer para o Times
aqui, outro ali. Dora começou a reescrever sua vida e, o livro no qual ela é a
figura principal, trouxe um legado literário, a partir das contribuições dadas
pelas autoras, ao inserir citações de grandes homens da literatura, dos
comentários de Dora e, ainda, da lista de livros e autores usados para
confecção da escritura, ao final das páginas fictícias. Identificações minhas à
parte, confira alguns trechos da obra, dentre eles, o perfil do leitor,
projetado por Dora e o ex-marido, Palmer.
“Não
importa o que aconteça a você, Dora, você pode sempre escolher um livro.”
“No
topo da lista estão os puristas – pessoas que leem com a finalidade de absorver
o estilo literário elegantemente construído e saborear as brilhantes metáforas,
os personagens inventivos, as figuras de linguagem empolgantes e os diálogos
faiscantes. A história é um elemento alheio à questão.
...
os acadêmicos – leitores que jamais superam realmente a forma como liam um
livro nas aulas de inglês do primeiro semestre, sublinhando ou destacando,
dobrando a orelha de determinadas páginas, procurando no dicionário as palavras
com as quais não estão familiarizados e rabiscando comentários consistentes nas
margens.
Os
adoradores de livros vêm em seguida. Eles mantêm seus livros cobertos (e não
por que são romances), usam marcadores de páginas e absolutamente nunca deixam
o livro tocar o chão. Eles olham para o livro como se fosse um ser com
sentimentos, um objeto de desejo vivo, que respira, que precisa ser tratado com
absoluto respeito. Eles leem cada palavra, até mesmo as notas de rodapé de
página.
Em
seguida vêm os leitores que só querem uma boa história tradicional e tem
certeza absoluta disso. Eles pulam os longos trechos descritivos, passam os
olhos pelas digressões e concentram a atenção em quem, o que e onde até o
último grau. Uma subcategoria destes inclui as pessoas que lêem livros em busca
de sexo, violência ou qualquer outra propensão particular e fazem uma leitura
rápida dos trechos que não os interessam.
O
nível mais baixo da cadeia alimentar vem em seguida e inclui os leitores em
busca de prestígio, um grupo de imitadores ridículos que não querem realmente
ler o livro, mas sim ser visto com ele, como a notória jovem loura pendurada no
braço de um magnata. Eles passam os olhos pelo livro para saber o enredo e o
carregam por toda a parte como se fosse uma bolsa de grife. Ainda piores são as
pessoas que ouvem audiolivros, a nova versão dos livros condensados, ou leem romances
baseados em filmes em cartaz. Essas pessoas se consideram leitoras, mas não
são. O mais irritante é quando elas entram em uma conversa e agem como se
tivessem realmente lido. Eu incluo os leitores narcolépticos nessa categoria de
não leitores. Pessoas que usam os livros como sonífero e estão com o mesmo exemplar
pousado sobre a cabeceira da cama há seis meses. Também há os leitores de
banheiro – você sabe, aqueles com prateleiras de revistas perto da privada com
exemplares velhos.
Depois
vêm os leitores que gostam de andar nas livrarias dos cafés acalentando
capuccinos mornos, monopolizando a mesa durante horas enquanto ocasionalmente leem
livros sem comprá-los, deixando-os em pilhas sobre a mesa para que os
vendedores os recoloquem no lugar.
E
não esqueçamos aqueles que nunca terminam um livro – pessoas que gostam de
escolher livros, comprar livros, começar livros, mas o que eles não parecem
conseguir fazer é terminar os livros. Eles constantemente enganam a si mesmos,
pensando que esse é o livro que vão ler até o fim, e eu até acredito que eles
estão bem-intencionados, mas assim como as dietas e as resoluções de ano novo,
a vontade de perseverar normalmente desaparece. Devo confessar que às vezes
acabo caindo nessa categoria.
A
categoria mais frustrante de todas inclui pessoas que leem um livro e simplesmente
não entendem. [...] Mas uma vez que eles lhe contam sua análise, não há
realmente nada que você possa fazer a não ser mudar de assunto.”
“Um
bom amante precisa saber conversar, seduzir, filosofar, ser poético, fofocar,
confessar e elogiar. E ter o outro lado, o lado negro, o discurso obsceno,
impróprio, que febrilmente descreve em sussurros e murmúrios cada movimento
sensacional.”
“A
coisa certa – há tantas escolhas diferentes no que se refere a essa questão. Sei
que há momentos em que você está disposto a deixar tudo de lado por alguém que
você ama e há momentos em que você não está. Os momentos em que você não está,
muitas vezes, põem tudo em dúvida e definem o tipo de pessoa que você é. Meu ponto
de vista é: você poderá conviver consigo mesmo quando faz tais escolhas? Fred parece
estar perfeitamente bem.”
“Ele
é um cara que abandona. O que não é nada bom no meu mundo.”
“Eu
quero um emprego. Eu quero uma família que seja calorosa e que me ame. Eu quero
ser normal e ter meu próprio lugar. Não me interessa se isso está soando
burguês. É isso que eu quero. Pronto.”
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