O último romance
de Carlos Ruiz Safón chegou às livrarias do Brasil ainda no primeiro semestre
do ano. E em minhas mãos também. Após ler A Sombra do Vento, Marina e o Jogo do
Anjo, minha expectativa era máster. Ledo
engano.
Zafón
contrariou a lógica do suspense e mesmo trazendo à sua trama a família Sempere,
Fermín, e seus agregados, fez uma mescla de narrativas que deixou o final sem
muitas conclusões. Quero acreditar que em breve, muito em breve, algo venha
complementar o que ficou faltando nesse romance do autor que se consagrou, nas
outras obras, por sua literatura que aprisiona.
Refazendo os
caminhos de Fermín, do tempo em que esteve em cárcere privado e trazendo
Martin, o autor que figurou discursos no Jogo do Anjo, Zafón deixou para trás,
no final da obra, alguns fechamentos. Colocou em cheque a fidelidade de Bea,
esposa de Daniel, tão amigo de Firmin e, pouco falou do Cemitério dos Livros. Pela
chamada feita nas orelhas da obra, acreditei que conheceria mais sobre esse
local mágico, que ambienta todas as obras anteriores.
Achei pecaminoso
em enredo. Pouco gritante nas letras em comparação com as demais obras
encantam. Aposto em um próximo livro, mas envolvente. Não achei que fez jus a uma
continuação de A Sombra do Vento, como indica a capa e sim uma mescla mal
pensada. Acho que o autor, nessa obra, perdeu a mão.
Mesmo assim,
confira alguns trechos de O Prisioneiro do Céu:
“Na
contraluz da rua, a silhueta parecia um tronco açoitado pelo vento. O visitante
usava um terno escuro, de corte antiquado e formava uma figura sinistra,
apoiada numa bengala. Deu um passo à frente, mancando visivelmente. A claridade
da lâmpada que ficava no balcão revelou um rosto marcado pelo tempo. O visitante
ficou me observando alguns instantes, avaliando-me sem nenhuma pressa. Seu olhar
tinha algo de ave de rapina, paciente e calculista.”
“As pessoas
de alma pequena sempre tentam apequenar os demais, e o estranho, que parecia
capaz de esconder suas intenções na ponta de um alfinete, me dedicou seu melhor
olhar de desprezo."
“De um
lado, viam-se barracões fechados com tábuas de madeira e, diante de uma garagem
que parecia ter sido devorada pelas chamas, erguia-se uma casa que Valls supôs
que fosse a antiga residência dos vigias. O brilho avermelhado de uma vela ou
lampião a óleo lambia o contorno de uma das janelas fechadas. O senhor diretor
observou a cena sem pressa, sentado no banco de trás do carro. Depois de vários
minutos de espera, inclinou-se para a frente e falou com o motorista.”
“Fui para
lá com o coração na mão. Não tinha a menor ideia do que ia dizer ou fazer
quando encontrasse Bea com aquele sujeito. O maître veio a meu encontro e
barrou minha passagem com um sorriso blindado. Seu olhar delatava uma franca
desaprovação dos meus trajes.”
“- Eu sei. Mas
sabe o que me da medo, dona Bea? Ser pouco para ele. Quando ele fica me olhando
todo encantado e diz que quer ficar velhinho junto comigo e todas essas
baboseiras que ele adora, sempre acho que um dia ele vai acordar de manhã, me
olhar e pensar: ‘De onde será que tirei essa tonta’?” [Bernarda em diálogo com
Bea]
“Passei a
lâmina sob o barbante que segurava o papel de embrulho ao redor do volume e
cortei. Com grande cuidado, afastei o papel até deixar o conteúdo à vista. Era um
manuscrito. As páginas estavam sujas, manchadas de cera e de sangue. A primeira
página exibia o título, traçado numa caligrafia diabólica.”
“Naquele
dia, ao ver meu amigo beijar a mulher que amava, passou pela minha cabeça que
aquele momento, aquele instante, roubado ao tempo e a Deus, valia todos os dias
de miséria que nos levaram até ali e outros tantos que com certeza ainda nos
esperavam ao regressar à vida. E que tudo quanto era decente e limpo e puro
nesse mundo e tudo por que valia a pena continuar respirando estava naqueles
lábios, naquelas mãos e no olhar daqueles dois felizardos que, eu soube com
certeza, ficariam juntos até o fim de suas vidas.”
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